Por Coimbra, o arranque do novo ano lectivo chega já com trabalho de casa para fazer e até para quem não vai à escola: saber como evitar o trânsito com os novos cortes rodoviários na zona da Solum e Rua do Brasil, importantes vias de acesso a vários estabelecimentos de ensino e decisivas no escoamento do tráfego no centro da cidade. Os condicionamentos resultam das obras para a instalação do Sistema de Mobilidade do Mondego (SMM), devem manter-se, pelo menos, até Março do próximo ano e lançaram de novo a pergunta: quando é que termina a empreitada do metrobus?
A data para o início da operação nas três linhas foi mais uma vez adiada e está agora prevista para o final de 2025, com frentes de obra a caminharem para os dois anos de atraso. O último ponto de situação foi feito este mês numa reunião da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) pela vereadora Ana Bastos, responsável pela área dos transportes, após um encontro com a Metro Mondego e a Infra-estruturas de Portugal (IP). A actualização do plano de trabalhos surge num contexto em que a imprensa tem sido o principal barómetro para medir as derrapagens no metrobus – mas são muitas as perguntas sem resposta.

A Coimbra Coolectiva questionou desde Junho a IP (promotora da obra) sobre o nível de execução dos contratos que tem a cargo, alterações nos preços, adiamento de prazos, responsabilidades pelos atrasos e eventuais indemnizações pelo impacto negativo no comércio local. A assessoria da empresa pública disse estar «a recolher a informação solicitada» e que iria «responder com a maior brevidade possível», o que não aconteceu até hoje.
A Metro Mondego pronuncia-se apenas sobre as empreitadas que lançou a concurso, pelo que, para sabermos o que se passa nas outras, resta-nos o Portal BASE, que reúne informação sobre os contratos públicos celebrados em Portugal. Problema: os dados disponíveis podem estar errados ou por actualizar, como sinalizou o Tribunal de Contas, na última auditoria a empreendimentos de obras públicas, divulgada em Junho.

A análise revelou «falta de controlo apropriado da fiabilidade da informação pública registada no Portal BASE, desvirtuando a excelência do propósito da sua criação e lesando a sua função essencial». A saber: garantir o direito universal a informação correcta, clara e em tempo útil sobre os contratos públicos, permitindo que qualquer pessoa possa acompanhar e monitorizar a sua execução, nomeadamente os desvios de preços e prazos.
Além de «não estar assegurada a publicação de informação sobre todos os contratos», a que é disponível «contém erros e inconsistências materialmente relevantes», sendo que o portal não regista a partir de quando começam a contar os prazos, «o que impede de verificar com rigor se há derrapagem».

Entre os mais de mil contratos analisados, pelo menos quatro dizem respeito a obras do metrobus, com a Metro Mondego a corrigir e actualizar dados em dois.
Já a IP adianta «estar a colaborar» com a entidade que gere o portal, o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), «na procura de soluções que permitam completar o registo da informação» de forma a cumprir a lei o princípio da transparência.
A correr como planeado, o metrobus teria começado este Verão a circular pelo centro de Coimbra, libertando de obras e de tráfego uma das zonas residenciais mais penalizadas pelos trabalhos do SSM: a Solum.
O Tribunal de Contas sublinha que «é responsabilidade da IP informar devidamente os cidadãos sobre a economia, a eficácia e a eficiência da despesa com o empreendimento de obras públicas (que aqueles financiam como contribuintes) incluindo na informação pública do Portal BASE a mensuração rigorosa da derrapagem de custos e prazos».
A recomendação do tribunal é que o Governo «determine o registo e publicação» destes dados «com periodicidade anual». É também sugerida a criação de um sistema que viabilize a divulgação da «informação necessária» para medir as derrapagens.

Em 2021, o Governo concretizou uma sugestão antiga: determinar que cada pedido de alteração de prazos seja acompanhado de um novo plano de trabalhos e calendário financeiro. A medida, conclui a auditoria, foi acolhida, mas falta reflectir-se na informação dada ao público.
Há também casos em que os dados registados no Portal BASE divergem das declarações públicas prestadas aquando do lançamento de obras – foi o que aconteceu com a primeira empreitada consignada no âmbito do SSM.
Troço suburbano desvia em tempo e custos
O troço entre o Alto de São João, à entrada de Coimbra, e Serpins, no conselho da Lousã, em obras há três anos, tem conclusão prevista para Dezembro. Os atrasos na construção são assumidos, mas se a ideia é saber, com rigor, o nível de derrapagem, escorregamos à primeira pergunta: quando é que era suposto estar pronto?
O tempo, por norma, começa a contar a partir do acto de consignação, que é o momento em que Estado entrega a obra ao empreiteiro. Neste caso, foi a 11 de Setembro de 2020, com a IP a indicar que o prazo de execução era de 18 meses, ou seja, até Março de 2022. Se tivermos como referência as datas avançadas ao público e não havendo novos incumprimentos, a obra ficará pronta com um ano e nove meses de atraso.
Mas os prazos que constam no Portal BASE e nos contratos acessíveis ao público não são estes. O que está registado é um prazo de execução inicial menor, de 455 dias (até Dezembro de 2021), que foi prorrogado em Janeiro de 2022, transferindo a conclusão da obra para o dia 7 de Julho passado. Se partirmos destas datas e assumirmos Dezembro como data prevista para conclusão da obra, o atraso será de dois anos.
Em Julho, de acordo com o diário As Beiras, estava asfaltado cerca de um terço do troço.

O percurso que liga Coimbra a Lousã e Miranda do Corvo tem cerca de 30 quilómetros, soma 17 paragens e é considerado um projecto complexo. A obra inclui a adaptação do Ramal da Lousã (e de um canal onde chegou a estar prevista a passagem de um metro ligeiro de superfície) à circulação de autocarros eléctricos em via dedicada.
A empreitada foi adjudicada em 2019 às empresas COMSA e FERGRUPO por 23,7 milhões de euros. O valor tem sido revisto em alta desde Outubro de 2021, com o Portal BASE a registar 16 alterações contratuais, motivadas por trabalhos complementares. Em Julho, o preço subiu para 27,9 milhões de euros, mas no texto de alteração ao contrato, o consórcio volta a referir que a quantia «não reflecte» os valores que apresentou para as obras a mais. Alega também que «todos os trabalhos complementares lhe conferem o direito a prorrogação do prazo».
A última alteração ao contrato, publicada no final de Agosto, avança para mudanças na fórmula da revisão de preços, ao abrigo do regime excepcional criado para dar resposta ao «aumento abrupto» dos custos com matérias-primas, materiais e mão-de-obra.
Contas por acertar no troço da Solum
A correr como planeado, o metrobus teria começado este Verão a circular pelo centro de Coimbra, libertando de obras e de tráfego uma das zonas residenciais mais penalizadas pelos trabalhos do SSM: a Solum. Mas o plano teve alterações de fundo e a empreitada do troço entre o Alto de São João e a Portagem, entregue para construção em Novembro de 2021, deverá ficar pronta entre Março e Abril do próximo ano — cerca de um ano depois do previsto.
O prazo de execução inicial de 18 meses foi ultrapassado em Maio e, mais uma vez, a nova data divulgada difere dos dados registados no Portal BASE. A última actualização remete para uma alteração ao contrato feita a 4 de Agosto e que alarga o prazo de execução em apenas 215 dias, colocando o fim da obra para Dezembro deste ano.
Além de adiar a data para a conclusão da empreitada, a adenda abre a porta a acertos de contas com empreiteiro, a Domingos da Silva Teixeira, pelas alterações ao plano de trabalhos. No último ano, foram feitas mudanças ao contrato para formalizar a realização de trabalhados complementares, com a construtora a contestar tanto os prazos para a execução do projecto, como os preços.
A Praça 25 de Abril tem sido um ponto crítico da empreitada: as obras começaram em Fevereiro de 2022 e, três meses depois, a Câmara anunciou alterações ao projecto, entretanto aprofundadas. As mudanças com mais impacto foram aprovadas já em Janeiro deste ano: aumentou-se a área verde na zona, o abate de árvores foi diminuído e avançou-se para a construção de uma nova rotunda na Rua do Brasil, que motiva agora os bloqueios ao trânsito na zona do Calhabé, junto à antiga passagem de nível da antiga Linha da Lousã.
Ainda de acordo com a informação disponível no Portal BASE, o valor do contrato subiu 474 mil euros e está desde Junho fixado em 23,8 mil euros, sendo que o empreiteiro «não reconhece qualquer responsabilidade» pelos trabalhos complementares e correspondentes preços indicados.

A Praça 25 de Abril chegou a abrir para os concertos dos Coldplay, mas, mais de um ano depois do início da intervenção, continuam as obras e os condicionamentos na ligação à Rua do Brasil devem manter-se até ao final do ano.
Os empresários e lojistas da zona têm vido a reclamar prejuízos com os atrasos na construção. A Associação Empresarial da Região de Coimbra alertou já para a «forte quebra na facturação (…) com perdas de negócio na ordem dos 40%» para os comerciantes afectados pela construção do SMM, sugerindo o pagamento de indemnizações, como está a ser feito pela Metro do Porto.
Testes no Verão
Com o novo calendário, o metrobus deve começar a funcionar no troço suburbano (entre Serpins e a Portagem) no final do próximo ano, saindo com um atraso de seis meses face à última previsão, mantida ainda em Junho. Nos restantes trechos a estimativa salta para o final de 2025.
O primeiro autocarro vai chegar em Novembro e, no próximo Verão, o sistema entra em fase de testes no troço entre Serpins e o Alto de São João. Para Ana Bastos é um momento «decisivo na avaliação do risco de derrapagem temporal» e implica também que não haja falhas no Parque de Material e Oficinas, que está a ser construído em Sobral de Ceira.
A obra arrancou em Fevereiro e tem data de conclusão prevista para finais de Maio do próximo ano, dentro do prazo. «O parque tem de estar pronto para o sistema funcionar», frisa o presidente do Conselho de Administração da Metro Mondego. Numa entrevista à Coimbra Coolectiva no final de Junho, João Marrana indicou que a construção do PMO «está a correr bem» e que «o empreiteiro está a cumprir o acordado».

A empreitada foi entregue em 2022 por 6,7 milhões de euros. Em Maio, o Conselho de Ministros concluiu que o montante definido para o desenvolvimento PMO era «insuficiente» e ajustou o valor para 11,5 milhões de euros, incluindo nas contas os encargos com assessoria, gestão e fiscalização da obra.
A obra promovida pela Metro Mondego com maior derrapagem temporal é abertura do Canal da Baixa, a via que vai ligar a beira-rio ao centro da cidade, lançada a concurso público no mesmo dia em que, em nome do Governo, o então secretário de Estado das Infraestruturas e Habitação Jorge Delgado pediu desculpas às populações da região de Coimbra pelos 30 anos de pára-arranca do SMM.
A intervenção implica a demolição de três prédios na Rua da Sofia para abrir alas à passagem do metrobus, tendo a Metro Mondego e Câmara acordado também deitar abaixo parte da Casa Aninhas, em frente aos Paços do Município, para concretizar um projecto de requalificação do espaço público entre a Via Central e a Praça 8 de Maio.
A abertura do Canal da Baixa devia ter ficado concluída há um ano: em Junho, faltava executar um terço da obra e a meta era concluir os trabalhos até ao final do ano. «É um atraso brutal. Porquê? É um projecto antigo, houve uma guerra na Ucrânia, houve Covid, faltou mão-de-obra. Tudo isto conduz a atrasos», explica João Marrana.
«Quando apresentamos um prazo é com base na melhor informação disponível no momento. Estamos a fazer o nosso melhor para cumprir. Mas quando se abre um buraco no chão é que se descobre onde as coisas estão. Em obras desta dimensão é normal que apareçam imprevistos e isso gera atrasos. Pensar que, a cada momento, se consegue transmitir que é no dia x é colocar a fasquia muito alta em termos de comunicação», defendeu ainda João Marrana, quando questionado pela Coimbra Coolectiva sobre a falta de informação pública referente à execução dos contratos, antes da auditoria ser pública.

O Canal da Baixa insere-se na futura Linha do Hospital, que liga a zona da Avenida Aeminium ao Pediátrico, também em construção e com os trabalhos concentrados de momento na Baixa e no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra. Para Ana Bastos a «obra é a que reúne maior imprevisibilidade» por causa da «complexidade do trecho urbano».
A construção da Linha do Hospital arrancou em Julho do ano passado, com um prazo de execução de 18 meses (até Janeiro de 2024). Com o calendário do SMM a apontar para o final de 2025, arrisca-se a ficar concluída com uma derrapagem de quase dois anos.
Com o novo calendário, o metrobus deve começar a funcionar no troço suburbano (entre Serpins e a Portagem) no final do próximo ano, saindo com um atraso de seis meses face à última previsão, mantida ainda em Junho. Nos restantes trechos a estimativa salta para o final de 2025.
Já no troço entre a Portagem e Coimbra B mantém-se o prazo de execução até Junho de 2025 e o orçamento de 34 milhões de euros. A empreitada prevê o fim da ligação ferroviária entre a Estação Central e Coimbra B: no próximo ano, também por alturas do Verão, deixa de haver comboios a circular entre os dois pontos, com a recuperação do plano (entretanto actualizado) de urbanização do arquitecto catalão Joan Busquets.
A Estação de Coimbra B vai ser requalificada e passa também a estar ligada à linha de Alta Velocidade Porto-Lisboa, um projecto promovido pelo novo executivo, que antecipa uma «revolução» no concelho e nos acessos à cidade – expectativa renovada ainda esta semana por Ana Bastos, na apresentação do programa de Coimbra para a Semana Europeia da Mobilidade.