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Ragnar Kjartansson: «Portugal precisa deste sítio, seria muito idiota que deixasse de ser um espaço artístico»

Revisitamos a casa do Anozero - Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra para beber das preocupações quanto à continuidade no mosteiro em concurso no programa Revive, antecipando a sua transformação num hotel de 5*. Espreitamos ainda Petricor, que comunga da ideia de devolução e ressignificação dos espaços.

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Fotografia: Mário Canelas (capa)

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Não sofra mais brilha a vermelho-vivo no torreão norte do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, chamejando o cunhal do imenso corpo monástico que coroa a margem esquerda do Mondego, contraponto à universidade. Este edifício seiscentista, vasta muralha pétrea com mais de 200 metros de comprimento e surgida do traço do frei João Turriano, terceira criação clarissa em Coimbra, sofreu o destino que atingiu muitos mosteiros e conventos portugueses após as reformas liberais do início do Séc. XVIII. As religiosas saíram e deram lugar a outros usos e funções. 

A ala norte do edifício, com os dormitórios, refeitório e cerca conventual, a área utilizada pela Bienal, foi colégio e depois quartel de artilharia a partir de 1910. Nele funcionou ainda o Museu Militar de Coimbra, de 1985 a 2009. Não sofra mais é uma obra da exposição do artista islandês Ragnar Kjartansson, apresentada no mosteiro; a obra reflecte-se no rio, acomete quem passa, marca a cidade, serve-lhe a carapuça. 

Ragnar Kjartansson

Já tínhamos apresentado a exposição de Ragnar neste artigo. Assinalado como um dos mais relevantes artistas da actualidade, apresenta-se aqui a solo em ano de intervalo entre edições regulares da Bienal, como já José Pedro Croft o tinha feito no final de 2020. Estes não são anos de pausa, são anos de continuidade. O Anozero fez do mosteiro a sua casa desde Curar e Reparar, a segunda edição, de 2017; tendo aqui realizado as edições de 2019 e de 2021/22, antevendo-se o seu regresso para a edição de 2024.

Foto: Cortesia Anozero

Esta exposição surge da «ambição de internacionalização» da Bienal, refere Carlos Antunes, director do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC), estrutura responsável pelo Anozero, do qual é director-geral. Para convencer o artista islandês, Désirée Pedro, directora-adjunta da Bienal, comenta que enviaram fotos do mosteiro a Ragnar para o aliciar a expor em Coimbra. Este foi completamente arrebatado à vista do potencial do espaço. Conquistado e chegado, estabeleceu-se em residência artística e produziu algumas das obras agora expostas. 

«Este espaço é louco, inflama as minhas peças, é um dos grandes locais artísticos da Europa», atira um excitado Ragnar, circulando sorridente na esteira da obra The Visitors, «Religião e exército, coisas hardcore, uma das minhas palavras favoritas. Sente-se a presença das camadas do masculino e do feminino [no edifício]. O erro das coisas bonitas, o erro da opressão religiosa. Este dualismo dá sentido aos meus trabalhos». 

Um lance de dados

A margem esquerda do Mondego é a margem que celebra o feminino, mas que também evoca a sua capitulação. Mor Dias, Rainha Santa, Inês de Castro. Ragnar comenta, pelas suas obras, esta alternância entre poder feminino e masculino, mas é também primordial para si a questão da passagem do tempo. Com o acumular das edições, o Anozero amadureceu como um processo de ressignificação do mosteiro, em que cresceu o envolvimento emocional com o espaço. Com Ragnar, assim com outros. Esta ligação emocional foi assumida por voluntários da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, como Ailema, que contribuiu para a montagem da exposição e que partilhou do seu assombro a altas horas da noite, os pequenos sons da madeira e o peso do silêncio a ganhar dimensão de medo na vastidão do espaço.  

Para Carlos Antunes, «as boas exposições são aquelas em que entramos e saímos outras pessoas; ressignificam-se as obras e as obras ressignificam o edifício». José Manuel Silva (JMS), Presidente da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), comenta que «a vinda de Ragnar Kjartansson a Coimbra, contribui de forma indelével para a afirmação da cidade como um epicentro de cultura», pelo que esta ressignificação toma proporções de razão de ser. O mosteiro já não é apenas local religioso ou assentamento militar, é lugar artístico. Daniel Madeira, membro da equipa de produção, refere uma relação colectiva com o mosteiro e uma sintonia perfeita com as obras de Ragnar: «Sabendo algumas das bases do trabalho [do artista], o mosteiro surge subitamente como um espaço poeticamente apropriado. Ser-nos-ia suficiente as palavras de Ragnar ao afirmar que algumas destas peças ganham uma nova aura no mosteiro». 

Curar e reparar

Há, no entanto, e pese todo este encantamento com as obras e o contexto, desafios concretos que se colocam à Bienal. O edifício do mosteiro está com concurso aberto desde Fevereiro de 2023 no programa Revive, numa iniciativa conjunta dos Ministérios da Economia, da Cultura, das Finanças e da Defesa, gerida pelo Turismo de Portugal, destinada a «promover e agilizar processos de reabilitação e valorização de património público que se encontra devoluto». Ou seja, conceder o espaço a privados durante um tempo determinado, para a sua exploração turística enquanto hotel de 5*.  

Foto: Cortesia Anozero

Para Carlos Antunes, «a experiência imersiva duma bienal é incompatível com um hotel de 5*. Pelo Revive estamos confinados a 5% da área actual, é residual, é como tirar a cabeça a um corpo. Há aqui alguma mistificação. O edifício está muito degradado, não é verdade, basta ir visitar a Bienal. Precisa de obras, claro. Precisa de obras para um hotel de 5*, obras que o vão eventualmente esventrar para o infraestruturar de acordo com as exigências? Diria que não. É sempre mais interessante pensar numa bienal que tem um hotel, do que um hotel que tem uma bienal, um hotel de experiência ligado à arte contemporânea».  

JMS defende publicamente uma solução tripartida, envolvendo hotel, bienal e centro de eventos com ligação ao Convento de São Francisco. Acrescenta: «Será impossível manter [o mosteiro] como está actualmente, pela contínua degradação do espaço. No âmbito do programa Revive, a permanência da Bienal no mosteiro assume-se como factor de majoração. Os vários promotores com quem temos vindo a falar estão interessados na inclusão da Bienal no processo, porque a sua existência associada ao futuro hotel é uma mais-valia bidireccional».

Carlos Antunes sublinha que a Bienal não tem obsessão pelo espaço, mas que é um projecto para a cidade, reduzi-la seria destratar os cidadãos. E, muito possivelmente, perder financiamento da Direcção-Geral das Artes, pela redução de escala e perda de eco mediático. Sublinha: «Arriscamos a deitar fora o bebé com a água de banho. O Revive é um programa com muitos méritos, mas é preciso perceber que o mosteiro hoje não é um edifício abandonado, cuja alternativa é ser um hotel. Não, o edifício hoje é um edifício sede duma bienal internacional. O [promotor vencedor] faz com o edifício o que quiser, mas eu não posso deixar de contestar enquanto cidadão. Tudo isto são coisas que me assolam nesse momento e para as quais não me dão respostas». 

A terceira margem

Procuraram-se respostas concretas junto da tutela. O edifício é do Estado, sob tutela directa do Ministério da Defesa; estando ao abrigo do programa Revive, a responsabilidade amplia-se a vários ministérios. Para o Ministério da Defesa, segundo o gabinete de comunicação, o edifício está «inoperacional» e apontou os prazos do programa Revive. O Ministério da Economia não respondeu em tempo útil. O Ministério da Cultura remeteu para a Direcção Regional de Cultural do Centro (DRCC), que não respondeu às nossas questões. Enquanto Monumento Nacional, este organismo do Estado entraria apenas posteriormente, em fase de apreciação do projecto. 

Foto: Cortesia Anozero

Já a equipa do programa Revive, pela Direcção de Valorização da Oferta, reforça o dito por JMS e que está presente no Caderno de Encargos [ver separador azul em cima]: «A exploração da actividade turística futura poderá manter a relação com o Anozero, prevendo um espaço interior de 600m2 destinado à exposição de obras artísticas. Esse espaço coberto deve ser compatível com o uso turístico e de localização flexível, mas de características nobres. A essa área podem ser acrescentados espaços de exposição ao ar livre. Caso os investidores interessados optem por integrar o Anozero, as propostas terão uma majoração na pontuação final».

Meia noite

Respostas definitivas para o futuro daquele que é o maior edifício do programa Revive e da sua convivência com a Bienal, dependem de datas concretas.  A 31 de Maio conclui-se esta fase do Revive. Havendo proponentes, será feito um processo de apreciação por um júri, num procedimento conduzido pelo Turismo de Portugal. Caso não existam interessados nesta fase do Revive, será lançado novo processo concursal passados seis meses. O protocolo do Ministério da Defesa com o CAPC termina em Agosto de 2023.

Nesta ponderação entre datas e interessados é que residem as respostas. O Anozero teve perto de 3600 visitantes nas suas primeiras duas semanas e meia, um número extraordinário para uma iniciativa cultural numa cidade média portuguesa. Ragnar indica-o com indissociável, Bienal e mosteiro, aquele que diz ser o «edifício mais desafiador para a arte contemporânea. Vocês têm um tesouro entre mãos, preservem-no, por favor. Portugal precisa deste sítio, seria muito idiota que deixasse de ser um espaço artístico».

Petricor

Outra exposição que ganha contorno de ressignificação é Petricor, exposição colectiva instalada na Cervejaria da Fábrica, espaço comercial encerrado há mais de duas décadas nas Galerias Topázio, com curadoria de Emanuela Boccia e Pedro Vaz. A cervejaria original foi criada em 1922, o edifício actual é de 1995 e conta com vários painéis azulejares de grande qualidade do artista João Dixo. Carlos Júlio, um dos artistas do colectivo Pescada nº5 (P5), foi contactado pelo promotor para lançar aqui esta exposição: «Aceitei imediatamente por ver as obras do Dixo. O meu papel foi o de juntar alguns amigos dos P5 e convidar o António Olaio para uma performance».

Dois dos artistas representados, Adolfo Caboclo e Catarina Parente, mostram as obras e apresentam o espaço como acto de ocupação, gesto de ressignificação descontraído. O curador Pedro Vaz vinca esse carácter: «estes espaços aparentemente condenados ao abandono ganham uma nova vida numa fusão entre arte contemporânea e a activação de espaços imprevisíveis quanto fascinantes, para redefinir a forma como podemos trabalhar e entender as artes plásticas nos dias de hoje». Adolfo amplia a ideia: «É uma exposição que não se leva tão a sério. Eu venho do Colégio das Artes, ao mesmo tempo que somos integrantes do P5, que é um movimento super orgânico da cidade, viemos da torre de marfim da academia. É muito libertador começar a explorar novos espaços».

Stéphane Santos, promotor do espaço, assegura que haverá continuidade expositiva, com a intenção de «promover o espaço na sua totalidade, dinamizando o interior e exterior, promover a zona, alterar tendências». 

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